11/04/2012

COLECCIONADOR
Todos os dias, depois do trabalho, percorria aleatoriamente as ruas da cidade, com um único e fundamental objectivo: colher palavras. Era um obsessivo e incontrolável coleccionador de palavras. Procurava-as em todos os lugares, nos jardins, nos recantos, nas praças, nas esquinas. Era metódico e criterioso na selecção: as palavras neutras, as objectivas, as técnicas, as científicas e todas as outras cuja única utilidade era a de servir para a comunicação quotidiana não lhe interessavam. Escolhia apenas as palavras, ouvidas ou escritas, que eram feitas de afecto. Sempre que se cruzava com uma, apanhava-a cuidadosamente e guardava-a num saco preto que o acompanhava para todo o lado. Havia dias em que a colheita era má, o mundo parecia ter emudecido e a sua tarefa tornava-se árdua e desconcertante… chegou a acontecer voltar para casa com o saco vazio… era o pior que lhe podia suceder. Mas noutros dias, facilmente encontrava palavras interessantes, ora porque o vento soprava na sua direcção e lhas trazia nítidas e quase intactas, ora porque a cidade estava especialmente repleta de apelativas mensagens escritas. Chegava a casa com o saco a abarrotar de palavras inquietas e curiosas. Pousava o saco e ia tirando e colocando em cima da cama cada palavra colhida. Esvaziado o saco, ficava a contemplá-las durante algum tempo, organizava-as depois por categorias e suavemente soprava cada uma para dentro da grande gaveta da cómoda. Depois, dobrava o saco e colocava-o junto à porta de casa, pronto para receber a colheita do dia seguinte. Voltava ao quarto, fechava à chave a gaveta da cómoda, pegava num caderno grande e volumoso, sentava-se na cama e anotava as palavras que tinha colhido.
Um dia, tudo aquilo acabaria. De certo, nessa altura iria sentir-se nostálgico e algo perdido, mas sabia que esse era o único desfecho possível. Quando o caderno grande e volumoso chegasse ao fim, quando não restasse mais espaço para registar qualquer outra palavra, por muito curta que fosse, seria tempo de escancarar a gaveta, de acordar as palavras adormecidas e de as inspirar profundamente, todas, uma por uma. Nessa altura, todas elas passariam a ser suas, a fazer parte de si e da sua vida. Com elas, escreveria então a história que sempre quis escrever.
Lida Moser




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