RESPIRAR
Humberto acordou
com vontade de renascer
mas não se lembrou
que para ressuscitar
antes é preciso morrer.
E para além disso
não havia tempo para isso
lembrou-se de Dulce
que era preciso acordar
para ir a correr estudar
porque o futuro não espera
e se não se correr
fica o risco de o perder.
Dulce acordou
entre bocejos e suspiros
chorou e protestou
porque queria dormir mais
sonhava com fadas e animais
num mundo de fantasia
onde não se fugia nem crescia.
Arrastando-a para o futuro
Humberto cruzou-se com Maria
que se queixou de uma dor no peito
mas ele
sem tempo para parar
disse-lhe que de amor nada tinha para lhe ensinar
portanto
para sair da sua frente
e fazer como toda a gente
aprender a respirar
mas sempre sem pensar.
Maria seguiu o conselho
esqueceu-se das dores e pintou-se de cores
começou a respirar
mas não deixou de pensar
e não se lembrando disso
deve ter sido por isso
que se sentiu sufocar
como um peixe sem mar
degolado por um anzol
que o arrastou para uma caixa
estreita e baixa
sem ar e sem sol
fechada por uma mulher
que a levou para o mercado
como um peixe pescado
morto e derrotado.
Acontece porém
que a peixeira vendedora
era também sonhadora
e sabedora
das voltas e reviravoltas da paixão
e lembrando-se do Artur no caixão
prometeu que nunca iria vender
um peixe pescado
morto e derrotado
apenas porque respirou
ao mesmo tempo que pensou.
Levou-o na mão
até à onda mais próxima
soltou-o na água
e mandou-o viver
lembrando-lhe
que antes de peixe
era Maria
aquela que sofria
com uma dor no peito
a quem alguém
com falta de jeito
mandou afastar
e respirar sem pensar.
Humberto voltou para casa
com Dulce pela mão
olhou para ela e achou
que nunca ninguém encontrou
um sorriso tão verdadeiro
tão quente e tão inteiro
e deixou-se ficar
envolto e deslumbrado
mas de repente ocorreu-lhe
que ainda não tinha jantado
queria peixe para saborear
mas não se lembrara de o pescar
por isso
bebeu leite e comeu pão
misturados com solidão.
Ao engolir
Humberto sentiu-se explodir
com uma dor
aguda no peito
e com um trejeito
lembrou-se de Maria
aquela a quem dissera
que a realidade não se pode mudar
mas apenas aceitar.
Agora
a agoniar
talvez já não se consiga lembrar
que aceitação
é sinónimo de resignação
e a negação de qualquer revolução.
O espantoso é não haver uma imagem a acompanhar o texto.
ResponderEliminarE porquê?
Porque não é,mesmo,preciso. È como um filme. Sem um final feliz.
Gostei muito.
Bom fim de semana.
Isabel