07/03/2012

RITUAL
Todas as noites, o mesmo ritual. Escovava os dentes, penteava-se, vestia o pijama, fazia uma festa no gato, deitava-se, apagava a luz e esperava por ele.
Todas as noites, a mesma sequência de gestos. Voltava a acender a luz, pegava no livro, lia duas páginas e voltava a fechá-lo. Levantava-se e ia à cozinha, bebia um chá, sossegava com um afago o gato sobressaltado, voltava a deitar-se, voltava a apagar a luz, voltava a esperar por ele. De olhos abertos, distraía-se tentando discriminar o contorno dos objectos na escuridão do quarto. Acalmava a ansiedade da demora, recordando a sensação de frescura com que acordava nas manhãs que concluíam as noites em que ele chegava cedo. Tentava esvaziar a cabeça de todos os pensamentos e murmurava em silêncio a melodia de todas as noites de espera. Por fim, sentava-se na cama, olhava o relógio, suspirava e convencia-se, definitivamente, de que ele não viria. Mais uma vez a tinha deixado à espera, mais uma vez não tinha aparecido.

 Pablo Picaso


Tirou da gaveta o minúsculo comprimido e engoliu-o sem água. Deitou-se e apagou a luz. Afundou a cabeça na almofada e fechou os olhos. Sentiu-o aproximar-se devagarinho.
O sono estava a chegar.

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