LÁGRIMA
Há muito tempo que tinha uma lágrima presa na garganta. De nunca ter visto a luz do dia, não era uma lágrima líquida, era um cristal de forma bizarra, sem a transparência própria das lágrimas, com um aspecto acinzentado de amargura carbonizada. Acontece que naquele dia, a garganta que abrigava a lágrima incendiou-se... não se sabe como aconteceu, apenas se constatou que a pele começou a arder, a fumegar e, num ápice, o lar tranquilo da lágrima inerte transformou-se numa fogueira de labaredas incontroláveis. E foi então que sucedeu: acordada pelo calor incandescente do incêndio, a lágrima cristalizada começou a amolecer, a derreter, lentamente foi perdendo a forma dura e metálica, foi-se diluindo cada vez mais até se tornar numa gota de água salgada, com aroma de emoção, uma verdadeira lágrima líquida, morna e fremente, pronta a ser chorada. Da garganta incendiada, começou a deslizar uma canção nostálgica em forma de lamento e, agarrando-se a essa melodia murmurada, a lágrima soltou-se, deslizou suavemente pelo peito e caiu num pedaço de chão relvado. Mobilizadas por essa lágrima corajosa, outras lágrimas desconhecidas se foram soltando da garganta fumegante... no chão molhado, formou-se uma poça de água salgada e enérgica que rapidamente se transformou num riacho e depois num rio, rio que fez transbordar o mar, mar que inundou cidades, refrescou pessoas, alagou campos e arrastou para longe amarguras e desencantos.
Lavado, fresco e tranquilo, o mundo pode finalmente descansar.
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