19/04/2012

SEGMENTOS
Os corpos encostavam-se envergonhados uns aos outros e seguiam disciplinadamente o ritmo imposto pela máquina. O ar cheirava a pessoas.
Repetidamente, a velocidade abrandava, um ruído estridente anunciava a paragem, os corpos mexiam-se e renovavam-se, saíam uns, entravam outros, acomodavam-se o melhor possível e a máquina voltava a acelerar. Uma mulher berrava para o telefone, um bebé chorava, um miúdo assobiava, uma jovem ouvia música, um homem olhava para os sapatos. Eles, sentados, com um encosto de tecido rasgado a separá-los. Ela não sabe que ele lá está. Ele não sabe que ela lá está.  Nenhum deles sabe que, nesta viagem, um não pode existir sem o outro. Quando ela olha pela janela para ver, ele já viu qualquer coisa que o fez pensar e olhar em frente. Quando ela se vira para a frente para pensar, ele volta a precisar de olhar pela janela. A perfeita sincronia de movimentos fazia com que os três – encosto de tecido rasgado, ela e ele – formassem uma peça única, com segmentos que se moviam delicadamente, numa harmonia perfeita.
Os corpos continuavam a lutar desenfreadamente pela conquista de espaço. Precisavam de respirar, estranhavam as formas e o calor dos outros corpos que se lhes colavam. Por isso queriam sair rapidamente dali, acotovelavam-se, precipitavam-se pela porta, fugiam a correr.
Eles continuavam sentados, encostados um ao outro sem o saberem, olhando e pensando alternadamente... como segmentos delicados de um único mecanismo, cúmplice e absolutamente perfeito.

Leah Piken Kolidas

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