SEGMENTOS
Os corpos encostavam-se envergonhados uns aos outros e
seguiam disciplinadamente o ritmo imposto pela máquina. O ar cheirava a
pessoas.
Repetidamente, a velocidade abrandava, um ruído estridente
anunciava a paragem, os corpos mexiam-se e renovavam-se, saíam uns, entravam
outros, acomodavam-se o melhor possível e a máquina voltava a acelerar. Uma
mulher berrava para o telefone, um bebé chorava, um miúdo assobiava, uma jovem
ouvia música, um homem olhava para os sapatos. Eles, sentados, com um encosto
de tecido rasgado a separá-los. Ela não sabe que ele lá está. Ele não sabe que
ela lá está. Nenhum deles sabe que,
nesta viagem, um não pode existir sem o outro. Quando ela olha pela janela para
ver, ele já viu qualquer coisa que o fez pensar e olhar em frente. Quando ela
se vira para a frente para pensar, ele volta a precisar de olhar pela janela. A
perfeita sincronia de movimentos fazia com que os três – encosto de tecido
rasgado, ela e ele – formassem uma peça única, com segmentos que se moviam
delicadamente, numa harmonia perfeita.
Os corpos continuavam a lutar desenfreadamente pela
conquista de espaço. Precisavam de respirar, estranhavam as formas e o calor
dos outros corpos que se lhes colavam. Por isso queriam sair rapidamente dali, acotovelavam-se,
precipitavam-se pela porta, fugiam a correr.
Eles continuavam sentados, encostados um ao outro sem o
saberem, olhando e pensando alternadamente... como segmentos delicados de um único
mecanismo, cúmplice e absolutamente perfeito.
Leah Piken Kolidas
E, contudo, uma harmonia.
ResponderEliminarBom fim de semana.
Abraço
Isabel