28/12/2012

NUMA NOITE DE INVERNO
Acho que foi num dia de verão que cheguei.
Tenho a certeza que sim.
É nos amanheceres azuis e suavemente mornos
que me sinto crescer
talvez encher
de uma alegria bruta e desajeitada
que me faz rir e
libertar
o animal sem nome
e sem dono
que tenho em mim.
Sei que é numa noite de inverno que irei.
Algures entre dezembro e janeiro,
uma tempestade de vento e fúria
irá arrastar-me para o meio da chuva
fustigar a minha pele nua
com gelados pingos de água misturada com
veneno
e sal
e saudade
e quando nenhum mel me restar nas veias
o corpo será então líquido
fumegante e denso
acumulado em poças cinzentas e lamacentas
esgueirando-se entre as pedras das calçadas
e procurando abrigo nas soleiras das portas.
Mas de nada servirá.
A enxurrada tudo vai arrastar
[até o meu corpo líquido
arrefecido
e moribundo]
e morrerei, enfim
no precipício de um bueiro
na valeta
da rua onde nasci.
E quando a tempestade amainar
entre ramos de árvore partidos
e destroços de uma cidade inundada
há-de encontrar-se num canto qualquer
sujo e amarrotado
um longo cachecol de
riscas coloridas
ainda morno
e com um ligeiro aroma a baunilha
a canela
e a vida.

 Rob Cartwright