15/07/2012


UM PEIXE SONHADOR
Era uma vez um peixe vermelho que vivia num grande e confortável aquário, com chão de pedras coloridas e imensas plantas exóticas. Era um peixe muito bem tratado e acarinhado, não lhe faltava água limpa, comida - estava até um pouco obeso - e palavras doces da menina sua dona. Tinha tudo para ser um peixe feliz, e era, mas não sempre. Havia momentos em que se aninhava o dia todo num canto do aquário, com as escamas baças e os olhos parados. Era especialmente nessas alturas que sonhava e desejava coisas que, em princípio, não são acessíveis a um peixe que vive num aquário. Naquele dia, sentiu que precisava de um desses momentos de retiro. Como sempre acontecia de manhã bem cedo, a menina alimentou-o, espalhando na água algumas migalhas de comida. Não lhe apeteceu nadar até à superfície para comer. A menina bateu levemente com o dedo no vidro do aquário. Não lhe apeteceu vir ao seu encontro, com a cauda a ondular alegremente, como habitual. Queria estar sozinho e ansiava a hora em que todos saíssem de casa, para ficar sossegado. E assim aconteceu, por volta das oito da manhã. Com o bater da porta da rua, sabia que tinha o dia todo por sua conta. Lembrou-se de uma história que em tempos tinha ouvido contar lá por casa, quando a miúda era mais pequena. Era sobre um peixe com asas e cara de pessoa, que voou até ao cimo de uma torre, onde o esperava uma linda princesa incrédula, a quem ofereceu um espelho. Sempre achou essa história magnífica e nos seus momentos de desconsolo, sonhava em ser o herói dessa aventura, o peixe vermelho destemido e apaixonado que voava até à sua amada. Tomado de uma coragem que não é característica dos peixes – muito menos dos peixes de aquário – decidiu mudar de vida e sentiu que aquele era o momento exacto para o fazer. Levou toda a manhã a trabalhar, arrastando as pequenas pedras coloridas que cobriam o chão do aquário, juntando-as com dificuldade num pequeno monte colorido, aquele que seria a sua mais preciosa ajuda na aventura que estava a começar. Quando tinha já a altura suficiente, nadou até ao cume do monte, apoiou-se solidamente na barbatana caudal, rodou um pouco para olhar em volta, um rápido olhar de despedida do seu pequeno mundo de água doce e plantas artificiais, voltou a rodar, apoiou-se melhor, inspirou profundamente e saltou do aquário. A viagem foi longa – assim lhe pareceu – tão longa, que teve tempo de ansiar pelos sinais das asas a nascer o dorso, tão longa que teve tempo de desesperar por não as sentir nascer, tão longa que teve tempo de perceber que elas nunca iriam aparecer. Caiu com estrondo no soalho de madeira. Arquejou durante uns instantes, lembrou-se da história encantada e da aventura que sonhou, das asas invisíveis que o fariam voar, deu um suspiro e um rápido esticão com a cauda, parou e morreu. Ao fim da tarde, abriu-se a porta de casa e a menina correu para ver o seu peixinho vermelho. O aquário estava vazio e, no chão, via-se um peixe acinzentado no meio de uma poça de água. Os peixes vermelhos não sonham e não voam – principalmente os peixes de aquário.

2 comentários:

  1. hummm

    os peixes demoram mais tempo a morrer que isso (palavra de pescador) (tem que se dar o golpe de misericórdia!)

    será mesmo assim? peixes vermelhos de aquário nao podem sonhar?

    posso fazer daqui um paralelo às pessoas?

    devia fazer daqui um paralelo a quem escreveu?

    ah, sonhar não é proibido a ninguém

    realizar os sonhos depende da vontade e da capacidade de aceitação de quem sonha

    :)

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