19/06/2012

A PONTE
Era uma vez uma ponte. Uma ponte muito estreita, feita de frágeis traves de madeira, unidas umas às outras com pedaços de corda grossa. Por baixo dela, existia um rio e a ponte servia de meio de comunicação entre as suas duas margens. Por vezes, a ponte sentia-se tão sólida e segura, que quase acreditava ser feita de betão e metal, como as pontes da cidade. Isso acontecia nos dias quentes, nas altura em que o sol fazia secar as suas húmidas traves que, por instantes, rejuvenesciam e se transformavam novamente em pedaços de madeira jovem. Outros dias havia, contudo, que a ponte se sentia muito frágil, dias de chuva e de vento, que a obrigavam a baloiçar de um lado para o outro, fazendo-a ranger de dor em cada movimento do seu esqueleto de madeira gasta. Apesar de não saber exactamente a sua idade, a ponte sabia que era muito idosa, muita água tinha já corrido por debaixo de si, muitas travessias entre margens tinha proporcionado, muitas aventuras e desgraças tinha presenciado. Um dia, ou melhor, uma noite, a ponte sentiu-se doente, tão doente que pensou em desistir e abandonar-se definitivamente às rajadas de vento e aos grossos pingos de chuva que vestiam de inverno aquela noite escura. Tinha ouvido falar que estava a ser construída uma outra ponte a poucos quilómetros de distância, uma ponte moderna, larga, forte e resistente. O pressentimento de que brevemente iria ser substituída agudizava-lhe as dores, tornava-as insuportáveis e, pouco a pouco, foi caindo num estado de entorpecimento geral, que a fez deixar-se abandonar no embalar furioso da tempestade. As suas frágeis traves de madeira apodrecida foram mirrando lentamente, tornando mais soltas as laçadas de corda que as seguravam. De repente, um pedaço de madeira escura soltou-se e caiu no rio, produzindo um ruído semelhante a um gemido. Foi então que, inesperamente, surgiram dois vultos escuros, um em cada margem do rio. A melodia da água a correr foi abafada por um grito, a duas vozes: “Ponte, precisamos de ti!”. Ela acordou sobressaltada daquele sono de abandono, inspirou profundamente, esticou o esqueleto de madeira, alongou os músculos de corda e finalmente percebeu: tinha de trabalhar, duas pessoas queriam encontrar-se. Esticou as suas extremidades, para que subissem com mais facilidade, fez-se forte e sorriu de alegria quando sentiu em si o peso dos passos apressados daqueles que se queriam abraçar.
Esta ponte foi permanentemente desactivada logo que a ponte nova foi inaugurada. Continua no mesmo local, com aspecto velho e gasto, aparentemente inútil. Mas ouvi dizer que certas noites ela ressuscita, volta a ser uma ponte jovem, vaidosa e eficiente, aliada e cúmplice de certas travessias urgentes.


2 comentários:

  1. É preciso muita sensibilidade para contar esta história tão bonita.
    A imagem linda também.
    Beijinho
    Isabel

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  2. sensível e profundo.
    podemos tirar várias interpretações deste texto muito bem escrito.
    obrigada!

    beij

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