23/02/2014

Vestiu-se de nevoeiro e foi dançar
pés de musgo
mão na anca e outra estendida no ar
gotas de chuva mansa no olhar
um peso leve 
acariciando a terra húmida
em passos cadenciados, improvisados
um, dois, três
para um lado e para o outro
rodopiando
um, dois, três
vertigem serena
abismo
um, dois, três
era uma vez
uma história e uma janela
promessa de amor e
o homem da vida dela
assobiando, marcando o ritmo da
melodia e da memória
e da invenção da paixão
porque real é só o corpo
mal coberto pela névoa
revelado pela noite
quase nua, quase lua
quase somente sua. Quase só.



21/02/2014

Era assim o amor entre eles: ora denso e sólido, ora suave e líquido. Um amor grande sem deixar de ser um grande amor.

Auguste Rodin

20/02/2014

REGRESSO
Ressuscitada de uma nuvem de pó e de esquecimento, ela ergueu-se, sacudiu o vestido, penteou o cabelo e regressou.

Muge

01/02/2013


Resta-me agora
a mesma janela de outrora
que teimo em manter aberta
mesmo nos dias de tempestade
como hoje
em que o vento se agasalha de nevoeiro e
me castiga a cara e as mãos
e todas as partes de mim que não me lembrei de
proteger.
Tem um vidro partido
esta janela
não me recordo da pedra que o feriu
e da mão que a arremessou
mas sei dos estilhaços espetados
no tronco frágil do limoeiro que decidi
ter em casa
e também sei da lua
que por esse vidro quebrado
entra
sem ser chamada
rasgando a noite do meu dia
com a altiva confiança de quem sempre foi esperada
e desejada.

31/01/2013







Quando a luz da manhã te trouxer
a urgência inadiável de acordar e renascer
falar-te-ei
daquilo que nasce e morre enquanto dormes
e da brisa morna que me embala
em cada madrugada.



28/12/2012

NUMA NOITE DE INVERNO
Acho que foi num dia de verão que cheguei.
Tenho a certeza que sim.
É nos amanheceres azuis e suavemente mornos
que me sinto crescer
talvez encher
de uma alegria bruta e desajeitada
que me faz rir e
libertar
o animal sem nome
e sem dono
que tenho em mim.
Sei que é numa noite de inverno que irei.
Algures entre dezembro e janeiro,
uma tempestade de vento e fúria
irá arrastar-me para o meio da chuva
fustigar a minha pele nua
com gelados pingos de água misturada com
veneno
e sal
e saudade
e quando nenhum mel me restar nas veias
o corpo será então líquido
fumegante e denso
acumulado em poças cinzentas e lamacentas
esgueirando-se entre as pedras das calçadas
e procurando abrigo nas soleiras das portas.
Mas de nada servirá.
A enxurrada tudo vai arrastar
[até o meu corpo líquido
arrefecido
e moribundo]
e morrerei, enfim
no precipício de um bueiro
na valeta
da rua onde nasci.
E quando a tempestade amainar
entre ramos de árvore partidos
e destroços de uma cidade inundada
há-de encontrar-se num canto qualquer
sujo e amarrotado
um longo cachecol de
riscas coloridas
ainda morno
e com um ligeiro aroma a baunilha
a canela
e a vida.

 Rob Cartwright

25/11/2012

CAMINHO
Fora de mim
há um trilho lamacento
de esquinas pontiagudas e precipícios
aterradores. Geme um vento frio
e  castigador.
Mas dentro de mim
o percurso é suave
feito de curvas redondas e chão de relva
e de doces folhas de outono. Dentro de mim
o caminho ilumina-se e abre-se
perante um simples raio de sol
que avisa dos teus passos ainda distantes
e faz adivinhar que estás quase a chegar.

Kim-Daehyun